
Não é que eu prefira os autores holandeses aos demais, mas é curioso como os escritores desse país vêm se debruçando sobre a questão do envelhecimento com enorme criatividade. Por isso sugiro a leitura de “Tentativas de fazer algo da vida”, publicado em mais de 30 países: aos 83 anos, Hendrik Groen – trata-se de um pseudônimo – decide fazer um diário para falar do dia a dia do asilo onde vive em Amsterdã. Não espere de Henrick simpatia em relação aos outros idosos, como mostra o texto que inicia sua narrativa, num 1º de janeiro: “Continuo não gostando de velhos neste novo ano. Do arrastar de pés por trás dos andadores, da impaciência fora de propósito, do eterno reclamar, dos biscoitinhos com chá, dos gemidos e dos lamentos”.
Ele convive com as limitações da idade (“Nada pode conter o declínio”) e com lembranças dolorosas: a única filha morreu com apenas 4 anos e a mulher, maníaco-depressiva, está internada numa instituição porque nunca se recuperou da perda. Mas Henrik não se dá por vencido e, com outros cinco amigos, cria uma espécie de clube: o Tô Velho Mas Não Tô Morto. Eles se revezam na tarefa de organizar atividades para o grupo, que vão de uma visita ao cassino a um workshop de culinária. O importante é divertir e surpreender os demais, que só ficam sabendo qual é o programa na hora de sair. Acabam sendo vistos com um misto de admiração e inveja pelos demais moradores da instituição.
Esse time unido pelo afeto e camaradagem também vai enfrentar seus fantasmas: Grietje apresenta os primeiros sinais de Alzheimer, Evert sofre amputações por causa do diabetes (e mesmo assim não pensa em parar de beber), Eefje é vítima de derrame e o próprio Henrik tem que se render às evidências de que está com incontinência urinária. Num país que permite a eutanásia há mais de dez anos – desde que o paciente a solicite em pleno gozo de suas faculdades mentais – ele conversa com seu médico sobre a possibilidade quando não tiver mais condições mínimas de qualidade de vida.
É claro que há um abismo entre a Holanda – que, junto com a Escandinávia, pode se vangloriar de ter o melhor serviço de assistência aos idosos – e o Brasil. No entanto, essa é uma história sobre a reinvenção do envelhecimento, que está em curso com a aposentadoria dos bebês do pós-guerra e da geração hippie. Ou, usando as palavras do próprio Henrik:
“Não há mais nada a perder, portanto já não é preciso ter medo de nada, isso não combinaria melhor com nossa idade?”. A última ação do protagonista é comprar uma agenda, um novo diário para o ano que vai começar.
Fonte: G1/Globo
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